Certo é que não temos como negar que estamos vivendo em uma era tecnológica avançada e, assim, cada vez mais, a necessidade de adequação o quanto antes ao (nem tanto) novo cenário se faz pertinente.

A realidade virtual que vivenciamos nos dias atuais é um caminho sem volta e a sociedade deve estar preparada para ela em todos os seus segmentos, principalmente com atenta observância ao conjunto de normas que regulam o comportamento humano, o Direito.

O assunto que trataremos neste esboço são os crimes estabelecidos no Código Penal em seu art. 216-B, § único e no art. 241-C do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com foco em suas publicidades. Vejamos:

Código Penal:

Art. 216-B.  (…)

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.

Parágrafo único.  Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo.   (Incluído pela Lei nº 13.772, de 2018)

ECA

Art. 241-C.  Simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)

Parágrafo único.  Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda, disponibiliza, distribui, publica ou divulga por qualquer meio, adquire, possui ou armazena o material produzido na forma do caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) (g.n)

Pois bem, conforme podemos observar nos dois dispositivos criminais acima, o ponto principal que diferencia um crime do outro é a faixa etária da vítima e que

Situação a ser observada é que ambos os crimes se consumam quando a prática de quaisquer um dos verbos contidos neles é realizada, não se exigindo qualquer compartilhamento, armazenamento, divulgação ou qualquer outra conduta por parte do agente.

Tal discussão sobre os crimes aqui expostos é importante para que saibamos que uma conduta praticada nos termos das leis citadas é crime e não uma brincadeira, como muitas pessoas ainda em pleno século XXI gostam e costumam falar (quando elas não são as vítimas).

Nas palavras do professor Rogério Greco, esse fato tem sido corriqueiro, principalmente naquilo que se convencionou denominar “memes”, ou seja, situações em que a pessoa envolvida é colocada numa condição que a ridiculariza. Assim, por exemplo, substituir o rosto de alguém numa cena de sexo, colocando a vítima como se estivesse nela envolvida, ou mesmo inserindo a imagem completa ou parcial da vítima numa cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo[1].

Questão a ser debatida é: se o material fake tiver publicidade de alguma forma, estaremos diante de algum crime tipificado em nosso ordenamento jurídico?

Para o professor e desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Guilherme de Souza Nucci, o crime seria o do art. 218-C do Código Penal, pois, a divulgação dessa montagem dá ensejo à consumação do crime mais grave, previsto no art. 218-C, absorvendo-se o do art. 216-B, parágrafo único[2].

Em que pese o respeitável posicionamento acima, ousamos dele discordar. Não há como imputar o crime do art. 218-C a quem compartilha ou divulga uma montagem prevista no § único do art. 216-B do CP por uma única razão: não existe previsão legal para que isso ocorra e, onde não há previsão penal tipificada, não há crime. Caso o legislador quisesse punir tal conduta a teria previsto em lei e, como assim não o fez, não cabe ao julgador fazê-lo.

O art. 218-C do CP estabelece que:

Art. 218-C.  Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:  (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.   (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

Podemos perceber acima que o tipo penal não previu o compartilhamento ou divulgação de montagem de material pornográfico e, assim, não há de se aplicar tal dispositivo quando ocorrer a referida conduta, sob pena de ferir de morte o princípio da legalidade, pois, não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal (art. 1º do CP e art. 5º, XXXIX da CF).

Tanto é verdade o que aqui estamos trazendo que, no caso de crianças e adolescentes, o parágrafo único do art. 241-C do ECA citado no início do texto possui previsão da conduta de “quem vende, expõe à venda, disponibiliza, distribui, publica ou divulga por qualquer meio, adquire, possui ou armazena o material produzido na forma do caput deste artigo” de forma fake. Vejamos:

Art. 241-C.  Simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)

Parágrafo único.  Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda, disponibiliza, distribui, publica ou divulga por qualquer meio, adquire, possui ou armazena o material produzido na forma do caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) (g.n)

Quando se quer punir uma conduta, tal punição deve estar prevista em lei para que haja uma segurança jurídica e evitar excessos, conforme já citamos no decorrer deste esboço. Dessa forma, por termos um ordenamento jurídico regido pela legalidade, impossível aceitar que se aplique o crime do art. 218-C do CP quando se der publicidade no material fake descrito no § único do art. 216-B do CP.

Vale ressaltar que quando o material que tiver tido publicidade envolver crianças e adolescentes, o crime a ser tipificado é o do art. 241-C do ECA pelo princípio da especialidade e, principalmente, por haver previsão legal para a conduta praticada, o que não ocorre no art. 218-C do CP.

Mediante o exposto, entendemos, então, que quando houver publicidade de material pornográfico adulto fake, estaremos (a depender de cada caso) diante de um possível crime contra a honra e/ou um ilícito civil, mas nunca diante de um crime contra a dignidade sexual.

Por fim e mais uma vez e de forma técnica, apesar do crime do art. 216-B estar inserido dentro do título dos crimes contra a dignidade sexual, a conduta de dar publicidade ao material não pode ser assim considerada e nem punível nos termos do art. 218-C do CP por total ausência de previsão legal, sendo que qualquer conduta punitiva deve, obrigatoriamente, possuir previsão legal, sob pena de pairarmos sob uma insegurança jurídica “fundamentada” no subjetivismo de cada indivíduo, o que não cabe nos termos do nosso ordenamento jurídico regente.

[1] Código Penal: comentado / Rogério Grecco. – 13. ed. – Niterói, RJ: Impetus, 2019. p. 887

[2] Tratado de crimes sexuais / Guilherme de Souza Nucci. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2022. p. 185